Sessão Ghibli #3 - O Conto da Princesa Kaguya

Olá meus caros e pacientes leitores! Eu estou muito atrasado e peço perdão, mas a vida como universitário às vezes reserva essas semanas onde até parar para o almoço é luxo. Chega de enrolar, vamos falar sobre nosso terceiro filme: 'O Conto da Princesa Kaguya'.

Essa obra de arte foi lançada em 23 de novembro de 2013, seu nome original sendo Kaguya-hime no Monogatari (かぐや姫の物語) e em inglês é The Tale of the Princess Kaguya. O diretor foi o Isao Takahata, o mesmo de 'Túmulo dos Vagalumes', o primeiro que apresentei aqui no blog. Inclusive, esse foi o último filme do senhor Takahata, que infelizmente faleceu em 2018. 

O lançamento ocorreu no mesmo ano que 'Vidas ao Vento' - ainda vai chegar a hora de falar dele -  e o plano original era que o lançamento dos dois ocorresse de forma simultânea. Como 'Vidas ao Vento' foi dirigido pelo Hayao Miyazaki, esse evento repetiria o que o Studio Ghibli fez lá em 1988, quando Takahata e Miyazaki lançaram seus filmes 'Túmulo dos Vagalumes' e 'Meu Amigo Totoro', respectivamente, no mesmo dia. Alguns imprevistos impediram que isso acontecesse.

Como esperado de um longa-metragem com 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, 'O Conto da Princesa Kaguya' foi indicado a vários prêmios e venceu muitos deles. Mas minha revolta fica por conta do Oscar, pois quem levou o prêmio foi 'Big Hero 6' e não existem palavras que podem expressar minha cara vendo essa injustiça descarada - isso porque 'Howl's Moving Castle' perdeu para o filme do carinha com o cachorro lá. 

Esse anime adapta uma monogatari conhecida como Taketori Monogatari. Essa literatura tornou-se conhecida no período Heian, um dos muitos períodos que dividem a história do Japão e que durou (falando de modo geral) entre o séculos VIII e XII. A saga da princesa Kaguya é considerada a mais antiga do gênero, mas não se sabe quem foi o autor e nem quando ela surgiu de fato. Com o tempo, o conto se tornou uma lenda passada de geração em geração e influenciou aspectos da cultura pop japonesa, incluindo animes e mangás. Alguns exemplos de obras influenciadas são 'Sailor Moon' e 'Naruto' e há quem enxergue influência no 'Super-Homem'. 

A história em si é bem simples e apresenta um humilde camponês cortador de bambus que encontra uma menina em um broto e a leva para sua casa. Ali, ele e sua esposa criam a garota com todo o amor que eles poderiam dar. Apelidada de Takenoko (pequeno bambu) pelos meninos da vila, a criança cresce num ritmo assustador e, sem perceber, influencia os eventos ao seu redor - é difícil de explicar sem dar spoilers.

Takenoko cresce e tem uma vida feliz ao lado de seus amigos no campo, mas tudo muda quando seu pai encontra ouro e roupas de alta qualidade em novos brotos de bambu e interpreta isso como uma mensagem dos céus: a menina deveria viver como uma princesa, cercada de conforto e privilégios. A família enriquece com os bens encontrados na floresta e, apesar dos protestos da mãe de Takenoko, eles vão para a cidade, para longe de seus amigos e da simplicidade.

A partir desse momento, a jovem aprende como se portar como uma dama da sociedade japonesa, sendo obrigada a deixar para trás toda a sua energia e sua felicidade em correr e explorar o mundo ao seu redor. Seu único escape é a sua mãe e sua dama de companhia, que a ajudam a aliviar as pressões da vida na nobreza e fazem de tudo para que ela se sinta feliz. Ao se tornar uma moça, um nobre lhe dá o nome de Kaguya, em homenagem à sua beleza e ao seu encanto e vemos vários nobres tentando ganhar o coração da princesa, enquanto ela luta para ser ouvida e respeitada.

De todos os filmes do Studio Ghibli que já vi, 'O Conto da Princesa Kaguya' se tornou o meu favorito. O diretor Takahata, para manter a fidelidade da monogatari, utilizou uma animação diferente do que vemos no gênero, visto que cada cena é como uma pintura e os movimentos são muito naturais e suaves. É o mais caro filme japonês já produzido até hoje e é fácil de se ver o porquê. Minha parte favorita, olhando a arte, é a cena em que Kaguya corre da cidade para a floresta, meu olho não piscou nem por um segundo.

O único ponto que eu achei confuso é reta final, onde novos elementos místicos são acrescentados. Considerando que são mais de 120 minutos, quase todas as explicações necessárias são dadas, exceto esse último elemento que aparece de surpresa. Na verdade, essa é uma crítica geral ao Studio Ghibli: a qualidade da narrativa não se sustenta até o fim, apesar do começo ser sempre maravilhoso. Me parece que a equipe responsável perde o ânimo ao longo da produção e resolve terminar tudo subitamente - falo no presente porque vi isso em quase todos os filmes do estúdio. 

A mensagem da história é que a felicidade não é encontrada em bens materiais, mas nas alegrias e nas tristezas do dia a dia, mesmo que você viva uma vida humilde. O pai de Kaguya nunca a perguntou o que lhe fazia feliz, mas sempre assumiu tudo por ela e talvez tenha feito o que fez para seu próprio ganho e não para o benefício de sua filha. Por outro lado, a mãe da princesa sabe que a menina valoriza seus relacionamentos acima de tudo e é sua melhor amiga e confidente. O filme também apresenta o cotidiano da nobreza no Japão feudal, as limitações e expectativas impostas às mulheres e a maneira "descartável" com a qual elas eram tratadas pelos nobres.

Apesar de infeliz, Kaguya não se arrependeu de nada e apreciou cada momento que viveu e essa é a comparação que a obra propõe, entre uma vida carnal com erros e acertos e uma vida eterna livre de sentimentos que, na filosofia da história, trazem as dores e os sofrimentos ao coração. A trilha sonora fecha o ciclo perfeitamente, com letras que falam da natureza, das pessoas e das emoções, tudo que a princesa mais valorizava no mundo.

Enfim, esse foi um filme lindo e chorei mais uma vez, muito. Mas não pelos mesmos motivos de 'Howl's Moving Castle', os finais são bem diferentes. Assista com sua família, assista sozinho, mas assista 'O Conto da Princesa Kaguya' (de preferência legendado para ouvir as músicas no idioma original) e preste atenção à animação, à necessidade dos pais de ouvirem seus filhos e, claro, à necessidade de crescer e aceitar a vida como ela é, com momentos tristes e felizes. E, tal como Kaguya, lembre-se que nós também podemos descansar a cabeça nos ombros de nossas mães ou amigos quando as coisas ficam muito difíceis de suportar. 

Para falar da monogatari, usei um artigo da Luiza Nana Yoshida, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O nome do artigo é "LITERATURA MONOGATARI DA ÉPOCA HEIAN - O NASCIMENTO DA NARRATIVA 'FICCIONAL'" e foi publicado em 2009 na revista Estudos Japoneses.

Semana que vem trarei a review de 'Sussurros do Coração' (1995), vamos sair desses filmes com mensagens muito profundas e aproveitar um bom romance adolescente. Espero que tenham gostado de 'O Conto da Princesa Kaguya' e do post. Até semana que vem!

Link no My Anime List, caso queiram ler mais reviews: Kaguya-hime no Monogatari (The Tale of the Princess Kaguya)

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